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sexta-feira, 19 abril, 2024

“Só há vigilância sobre as licenças e atestados”, diz especialista da UnB sobre saúde mental do servidor

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SindSaúde DF
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Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Distrito Federal

SindSaúde conversou com especialista em saúde mental da unb para entender o quadro que afeta os servidores

A cadeia de acontecimentos relacionados a doenças psíquicas entre servidores da Saúde funciona em um ciclo vicioso. O volume excessivo de trabalho,aliado às péssimas condições de trabalho e a já desgastante tarefa de lidar com vidas, funciona, por muitas vezes, como ga?lho para enfermidades da mente. Estresse, ansiedade e depressão são só alguns dos problemas. O servidor, então, precisa buscar ajuda na mesma rede que colaborou para o seu adoecimento, lidando novamente com um atendimento inchado e sucateado ao longo de décadas.

“Há toda uma questão contextual de excesso de serviço, carência estrutural ?sica e equipes reduzidas, que vão gerando frustrações, insatisfações e desânimo pelo serviço. Isso pode levar a quadros depressivos, de ansiedade e alcoolismo graves”, afirma, em entrevista ao SindSaúde, Nazareth Malcher, especialista em Saúde Mental com Mestrado em psicologia clínica, doutorado em ensino e saúde e professora adjunta da Universidade de Brasília (UnB).

Por muitas vezes, o SindSaúde denunciou e continuará denunciando que os nossos servidores estão adoecendo. Mas agora, nossa pauta ganha um endosso mais teórico na voz de uma especialista. Confira trechos da entrevista com a especialista.

O SindSaúde nota que a categoria está apática, estressada, com quadro de depressão, ansiedade. Há dados dos transtornos sofridos pelos servidores?

O que a gente sabe é que toda essa questão contextual, de excesso de serviço, carência estrutural física, equipes reduzidas, vão gerando frustrações e insa?sfações que vão gerando desânimo pelo serviço. E podem ser geradoras de depressão, quadros ansiosos graves, de alcoolismo. Nós temos muitos casos de servidores que fazem uso abusivo de álcool porque é uma forma de aprender a lidar com essa frustração, com essa situação que eles vivenciam.

A senhora tem experiência no atendimento ao servidor na SES. Já chegou até você casos graves?

Vários. Trabalhei dez anos dentro da Secretaria de Saúde, no HPAP, e ali tivemos vários casos de colegas que se suicidaram, que tiveram problemas associados ao consumo abusivo (álcool), morreram por problemas de cirrose, pessoas afastadas, muita gente afastada com quadro depressivo.

Como é possível determinar que o trabalho é a causa?

As causas são multifatoriais. A gente não pode elencar que somente o trabalho fez isso, porque se não todo mundo que está sujeito àquela situação entraria em depressão, e isso não acontece. Ainda tem os determinantes sociais. As vezes você até tem o melhor trabalho, mas você tem uma vulnerabilidade social, viver uma agressão na residência, é um determinante social. O trabalho pode ser um gatilho para efetividade da doença. Pode ser o início de tudo, mas existem outros fatores. Existe também uma questão dentro da secretaria que é o acompanhamento ao servidor público. Não há muito isso. Para se ter uma ideia, quando eu entrei da secretaria (ela trabalhou na Secretaria de Saúde do DF) fiz exames admissionais e depois de 10 anos, quando saí,nunca fiz demissionais. Eu poderia, qualquer doença que me aparecesse, processar porque não sabem com surgiu.

Ou seja, falta uma regulação, um acompanhamento, de fato, da vida profissional do servidor?

Quando eu falo que não há um trabalho em relação ao servidor, falo principalmente em trabalho de prevenção e promoção à saúde, porque o que há é vigilância e intervenção. Só há vigilância sobre as licenças. Não há um trabalho preventivo, exames periódicos, demissionais, prevenção em saúde para o servidor, não se faz campanhas. É muito mais um trabalho intervencionista e de vigilância com relação a atestados. Não digo que não deveria ter, mas a medicina do trabalho não pode prever apenas uma abordagem de regulação, deveria ter um trabalho de prevenção e promoção. Instituir comissões de prevenção de acidente do trabalho nos serviços, semanas de saúde do trabalhador, campanhas de vacinação, de tabagismo. Oportunizar ao servidor espaço de escuta e fala, o servidor está ansioso, precisa de um espaço em que pudesse ser atendido e acompanhado.

Por ser um trabalho em saúde, que lida com vidas, não deveria ter um acompanhamento psicológico específico?

O servidor precisa saber que pode contar, porque além da realidade do trabalho dele, que é lidar com o sofrimento psíquico do outro, lidar com questões de vulnerabilidade social da pessoa que ele acompanha, lidar com cuidados paliativos de pacientes terminais, enfim, essa diversidade e ainda ter que lidar com questões contextuais, de um espaço para ser acolhido dentro do serviço, a dificuldade do volume de pessoas, pois os serviços estão todos cheios porque a rede de assistência do GDF não é completa, existem vários serviços instituídos pelo SUS que não existem no DF. Simplesmente não existe, como por exemplo centro de convivência, residências terapêuticas. Uma série de questões que a?ngem diretamente a população e o servidor.

Nazareth Malcher
Especialista em Saúde Mental
Mestrado em psicologia clínica
Doutorado em ensino e saúde
Professora adjunta UnB
Trabalhou dez anos da SES – HPAP

Serviço ao servidor
Nazareth Malcher faz parte do Centro de referência sobre álcool, drogas e vulnerabilidades associadas (CRR) da UnB de Ceilândia. Lá, são dados cursos de formação sobre consumo de drogas e suas vulnerabilidades para a rede intersetorial. “Com isso, a gente tem contato com (servidores) a Saúde, assistência social, escola, segurança pública, as ONGs, de modo geral. São programações anuais de cursos divididos em dois momentos. No primeiro, de formação e no segundo, permanente, onde fazem os matricialmente, vamos aos serviços e encontramos os profissionais por territórios. A ideia é que eles aprendam a lidar com as questões de uso e abuso de drogas e vulnerabilidade, além de prevenção, tanto no âmbito da saúde quanto no da escola. E u , particularmente, faço um trabalho no CRR que é só com gestores, a gente percebe que quem está na gerencia dos serviços também vive um sofrimento imenso porque há dificuldade de organização desse serviço por esses mesmos fatores. Volume populacional muito grande, falta de recursos, equipe reduzida, também é problema em nível de gestores.

 

 

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