23.5 C
Brasília
quarta-feira, 27 março, 2024

Reforma Administrativa reduz o número de carreiras e aposta na meritocracia

O governo oficializou nesta quinta-feira (3) o envio da reforma administrativa para o Congresso

A reforma administrativa foi publicada no Diário Oficial da União e enviada ao Congresso Nacional na manhã desta quinta-feira (3). Entre outras mudanças, ela propõe redução do número de carreiras de 117 para 30 e sugere aplicar a meritocracia no serviço público.

O projeto será dividido em pelo menos três etapas. Nesta primeira fase, foi encaminhada uma proposta de emenda à Constituição (PEC) com as linhas gerais da reforma. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, diz que o Legislativo já está pronto para discutir a proposta do governo.

Com a flexibilização da estabilidade, a redução de salários de acesso e a revisão de benefícios, técnicos do Ministério da Economia já adiantaram que a reforma muda de forma expressiva o serviço público. Para reduzir o salário inicial do funcionalismo, a justificativa é de que, pelo modelo atual, os servidores ingressam com remunerações muito altas, desproporcionais em relação à iniciativa privada, e ficam desestimulados a subir na carreira.

Para Marli Rodrigues, presidente do SindSaúde, a reforma administrativa é o fim do serviço público no Brasil.
“Precisamos nos mobilizar contra essa proposta vergonhosa, que retira direitos dos futuros servidores públicos, com avaliações duvidosas pra obtenção de estabilidade e aposta na meritocracia, prática antidemocrática e perigosa para a administração pública”, alerta.

Meritocracia que não existe no governo Bolsonaro
Míriam Leitão, no jornal O Globo, escreveu uma avaliação sobre a prática da meritocracia, proposta na reforma administrativa enviada pelo Palácio do Planalto, mas que na prática não é exercida pela gestão do presidente Jair Bolsonaro.

“No Ibama e no ICM-Bio, a atual gestão tirou os especialistas e servidores de carreira treinados para a conservação e a fiscalização de delitos ambientais e colocou policiais militares. Eles não são ecólogos, não se especializaram em meio ambiente. Na Funai, a atual gestão tirou indigenistas qualificados para colocar no lugar pessoas indicadas de grupos religiosos, até em áreas delicadas como as que tratam de políticas para índios isolados”, destaca Miriam.

Se a reforma fosse aprovada da forma que foi construída por Bolsonaro e sua equipe, a meritocracia seria um dos critérios no serviço público, prática que segundo a jornalista o atual governo não é adepto. “Mesmo no Itamaraty, que sempre foi uma casa da meritocracia, eles subverteram a prática. Conselheiros fora da carreira dão ordens. O mérito foi deixado de lado, inverteram a ordem natural das promoções do Itamaraty”, lembra Leitão.

Nesta análise no jornal O Globo, Miriam se lembra do elevado número de militares ocupando espaços que deveriam ser de especialistas, o que é latente no atual Ministério da Saúde, onde “médicos e especialistas em saúde pública foram substituídos por militares no meio de uma pandemia”. Como bem disse Míriam, “Nada contra os servidores das Forças Armadas, eles cumprem um papel importante no país. Mas seria horrível pensar o oposto: os civis comandando as Forças Armadas em vez de militares preparados para postos de comando”, ressalta.

O futuro incerto do serviço público
O texto enviado pelo governo modifica somente as regras para os futuros servidores do poder Executivo Federal. Não afeta os atuais servidores nem os profissionais do Legislativo e Judiciário. Os outros poderes terão que elaborar textos próprios se quiserem alterar suas regras.

Há ainda proposta de criação de novo cargo, sem vínculo, uma espécie de ‘trainee’, com duração de dois anos, diferentemente do atual estágio probatório (três anos), quando o servidor é avaliado antes de obter a estabilidade.

O governo também quer ampliar as contratações temporárias celetistas, e estuda criar funções temporárias, sem progressão e com tempo definido para permanecer no cargo. Pode também ser revista a estabilidade até para os que já estiverem efetivados. Nas funções operacionais, como cargos técnicos ou de limpeza, poderá haver demissões. As alterações também vão atingir o sistema de licenças e gratificações, precarização da relação de trabalho, terceirização e perda de direitos, como a proposta de extinção da progressão automática por tempo de serviço.

Reforma ou desmonte?
A reforma administrativa ainda precisa ser analisada e aprovada pela Câmara e pelo Senado para virar lei. Por se tratar de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), precisa ser aprovada por 2/3 de cada Casa em dois turnos de votação.

Na avaliação do presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, Professor Israel Batista (PV-DF). “Qualquer reforma que parta do princípio único do ajuste fiscal já começa errada”, avalia.

“Esperamos que a sociedade entenda os riscos dessa reforma administrativa para o Estado Democrático de Direitos e pressione o Congresso para ajustá-la da forma mais adequada ao serviço público”, conclui a presidente do SindSaúde, Marli Rodrigues.