27.5 C
Brasília
terça-feira, 23 abril, 2024

Justiça julga improcedente ação de gestora contra o SindSaúde

Saiba Mais

SindSaúde DF
SindSaúde DF
Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Distrito Federal

A Décima Quinta Vara Cível de Brasília negou o pedido de indenização da ex-chefe do Centro de Saúde n°1 do Gama, Célia Regina da Costa Silva. A enfermeira entrou na Justiça contra o SindSaúde devido um ato simbólico no qual foi ‘demitida’ pela presidente Marli Rodrigues em assembleia realizada na unidade de saúde em agosto do ano passado (relembre aqui o caso). A atuação do sindicato foi motivada por denúncias de maus tratos aos servidores por parte da gestora.

A sentença julgou improcedente o pedido, pois entendeu que o SindSaúde apenas cumpriu seu papel enquanto entidade de defesa do direito dos trabalhadores. “Isso só mostra que chefe nenhum cala a boca do sindicato”, avaliou a presidente Marli Rodrigues.  À enfermeira foi determinado ainda o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios.

Confira um trecho da decisão:

“Nesse espeque de valores, observa-se que as afirmações feitas pelos requeridos contra a autora não transbordaram do razoável, do tolerável, não havendo qualquer imputação à esta ultima de adjetivos difamatórios ou injuriosos, que pudessem, de fato, macular sua personalidade.

Há que se pontuar que a autora, a partir do instante que aceitou assumir posição de autoridade e gestora pública junto ao órgão de saúde do Gama, deveria saber que estaria infensa aos interesses dos servidores, podendo ser alvo de críticas, como o foi, o que não respalda a compensação moral quando tais críticas se dão dentro da normalidade, ou seja, não se reverberam em xingamentos, atos caluniosos ou atentatórios à sua dignidade.

A figura pública, como o é o administrador público, exerce papel crucial de gerenciamento da coisa pública e, nessa qualidade, está sempre sendo fiscalizado não somente pelos servidores, como também pelos superiores hierárquicos, pelos órgãos de controle e até mesmo pela população.

No caso em tela, houve manifestação de descontentamento por parte dos servidores do centro de saúde gerenciado pela autora, fato este abraçado institucionalmente pelo sindicato da referida classe, que passou a atuar no sentido de demonstrar o desagravo dos representados.

A demonstração de insatisfação se deu justamente nas duas ocasiões em que a autora entende ter sido humilhada, ou seja, num primeiro momento, por meio de faixa anexada à entrada do centro de saúde, com os dizeres: “fora Célia!”, e num segundo instante, durante reunião marcada entre a diretoria do referido centro e o sindicato requerido, ocasião em que foi dito pela presidente da organização de classe a seguinte expressão: “… em nome da democracia, você está demitida.”

Ora, vê-se, pois, que as críticas feitas à autora se deram no exercício de um direito, qual seja, defesa dos servidores representados pelo sindicato requerido.

Não houve qualquer abuso no exercício deste direito, na medida em que as afirmações feitas à autora apenas refletiram o descontentamento dos funcionários do local em relação à sua atuação como gerente, sem que fossem proferidas palavras que fujam à normalidade da espécie de ato que se praticava.

Não há que se falar, portanto, em ato ilícito por parte dos requeridos, sendo este um dos requisitos para a configuração da responsabilidade civil.
Do pedido de compensação por danos morais decorrentes de matérias veiculadas no sítio eletrônico do primeiro requerido, com vídeo da reunião entre o sindicato e a autora

Quanto ao vídeo publicado no sítio eletrônico e na rede social “Facebook” do sindicato, também não assiste razão à autora.

A Constituição Federal de 1988 consagrou em seu texto a liberdade de comunicação nos arts. 5º, IV, V, IX, XII e XIV e 220 a 224.

Na definição de José Afonso da Silva, essa liberdade constitui um “conjunto de direitos, formas, processos e veículos, que possibilitam a coordenação desembaraçada da criação, expressão e difusão do pensamento e da informação”. (“Direito Constitucional Positivo”, Malheiros, 16ª edição, 1999, p. 246)

Com efeito, referido direito, de envergadura constitucional, abrange as formas de criação, expressão e manifestação do pensamento e de informação e a organização dos meios de comunicação. A liberdade de informação, segundo o mesmo autor (obra citada, p. 248), compreende a liberdade de informar e a liberdade de ser informado.

Citando Albino Greco, José Afonso da Silva define a liberdade de informar como “liberdade de manifestação do pensamento pela palavra, por escrito ou por qualquer outro meio de difusão”, ao passo que a liberdade de ser informado indica “o interesse sempre crescente da coletividade para que tanto os indivíduos como a comunidade estejam informados para o exercício consciente das liberdades públicas”.

Seguindo o raciocínio susa desenvolvido, o mesmo autor destaca que, dentre essa liberdade de informação em geral, há a liberdade de informação jornalística, que seria uma expressão moderna e tecnicamente mais apurada que a antiga “liberdade de imprensa”.

Pois bem, saliente-se que a reunião objeto da filmagem e posterior divulgação na rede mundial de computadores foi pública, contando com a presença de diretores, servidores, representantes do sindicato e membros da comunidade local, como se infere no depoimento do Dr. José Carlos de Melo Figueira Dantas às fls. 179.

Inobstante o fato acima, não há que se falar em sigilo ou intimidade no evento em tela, mormente sendo uma reunião que tratava de tema de interesse público, qual seja, a atuação de pessoa ocupante de cargo público de autoridade, com o papel de gerir recursos financeiros e humanos, bem como o dever de prestar contas de sua atuação na administração pública.

Ademais, observa-se no documento acostado às fls. 31, que o móvel do primeiro requerido ao publicar o vídeo em seu sítio eletrônico foi o de informar seus representados acerca do fato ocorrido. Tanto é assim que o título de referido informativo consta assim redigido: “Democracia: servidores e população votam pela saída da gerente do CS 1 do Gama”. Nessa senda, os fatos foram narrados sem que houvesse qualquer conteúdo ofensivo à autora.

Urge, ainda, salientar, que no referido texto informativo há o relato dos fatos tal como ocorreram, constando neste noticiário, inclusive, as considerações feitas pela autora na ocasião da citada reunião, “in verbis”: “ No final da reunião, Célia teve assegurado seu tempo de resposta em que negou acusação por acusação. “Não fiz nada sozinha. Minha intenção com todas as condutas que tomei aqui tiveram orientação dos meus superiores. Sempre fui educada com todos. Estão pintando uma Célia que eu desconheço, se defendeu.” (trecho retirado da notícia veiculada no sítio eletrônico do primeiro requerido, cuja cópia consta às fls. 32 dos autos).

Nessa toada, observa-se que o vídeo e a matéria foram veiculados com conteúdo meramente informativo, sem irrogar à autora fatos inverídicos, tampouco ofensivo à sua honra. Ao contrário disto, noticiaram sua defesa oral por ocasião da citada reunião.

Logo, para que haja obrigação de indenizar deve restar demonstrado que a matéria divulgada tem conteúdo e conotações ofensivas ao patrimônio moral da autora. No caso em tela, não restou comprovado qualquer ofensa à honra pessoal e à dignidade da requerente, mas apenas foram noticiados fatos verdadeiramente ocorridos, o que corrobora o entendimento de que o sindicato cumpria seu dever de informar.

Nessa linha de idéias, aliás, muito bem colocados foram os fundamentos utilizados pelo magistrado que ponderou todas estas questões no momento de análise da tutela antecipada pleiteada pela autora. Embora agora a cognição do caso seja exauriente, coligidas pela vasta produção probatória que se fez nos autos, os fundamentos ali exposados permanecem válidos e merecem transcrição pela peculiar percuciência da ponderação feita pelo juiz, “in verbis”:

“Assentado na ação comunicativa racional, é intuitivo que o estado democrático de direito tenha como um dos seus lastros mais poderosos a liberdade de expressão. A liberdade de expressão justifica não apenas publicar notícias, mas também o direito de todo cidadão de expor sua opinião pessoal. Liberdade de expressão não se presta apenas para aplaudir – aliás, neste sentido, seria até mesmo desnecessário assegurar tal liberdade, já que ninguém se esforça por silenciar aquele que aplaude. Evidentemente, a consagração da liberdade de expressão autoriza, com maior vigor, o direito de crítica, por mais poderosa que seja a pessoa criticada. Tal direito é ainda mais acentuado quando se trate de opinião sobre agentes públicos, posto que, numa república, o poder pertence integralmente ao povo. E a censura é veementemente repudiada no ambiente do estado democrático de direito, não obstante a possibilidade jurídica de coibição de excessos no exercício do direito de crítica inerente à liberdade de expressão.

Nesse descortino, em cognição superficial, não há como se reconhecer, prima facie, abuso nas manifestações combatidas pela autora.

Com efeito, as manifestações teriam sido objeto de deliberação pública e voltadas contra abusos imputados à autora, não havendo, neste momento, condições de avaliar se houve abuso ou excesso punível, pois quem exerce função pública de chefia e direção deve estar preparado para críticas, cabendo-lhe ter espírio de liderança e serenidade necessárias para identificar o que pode haver de substancial nas críticas, para fins de aprimoramento.

Não é comum que críticas sejam amenas ou agradáveis aos ouvidos de seu alvo. Normalmente, críticas apontam defeitos e expressam opiniões ou conceitos pessoais, que podem até ser tomados como ofensivos por quem é criticado, mas devem ser respeitados, se fundados em exposições racionais, ainda que eventualmente equivocadas.

Os eventuais erros de avaliação por parte daquele que critica podem ser facilmente rebatidos por dados e ações. Afinal, a par do direito de criticar há o direito de comprovar, pela sua constante prestação de contas ao público, que as críticas podem ser equivocadas. O que não se pode admitir é que, no contexto da ampla ação comunicativa social, algum dos atores seja obrigado a se calar sem que haja uma justificativa concreta e segura da necessidade de tal medida.

Assim, em que pese reconhecer o incômodo psíquico que a autora possa sentir diante das críticas expostas, tal fato não confere suporte jurídico para a coibição da liberdade de expressão.” (fls. 76)

De fato, há que se reconhecer o incômodo psíquico enfrentado pela autora, mormente considerando seu admirável objetivo de realizar melhorias na saúde pública, conduta derradeiramente árdua e que merece reconhecimento, principalmente considerando as medidas por ela adotadas como gestora: alteração da escala de alguns servidores; composição de uma nova equipe; alteração na configuração de equipes já existentes; mudança na ocupação do espaço físico; e implementação do processo de trabalho (rol indicado na exordial, às fls. 03 e documentados às fls. 37/68 dos autos).

No entanto, devido à colisão entre dois direitos constitucionais fundamentais, quais sejam, a liberdade de manifestação do pensamento (artigo 5º, inciso XIV, da Constituição Federal) e o direito à preservação da honra (artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal), fazendo a devida e proporcional ponderação no presente caso, entendo que o primeiro deve prevalecer, mormente considerando que os fatos que a autora imputa aos requeridos são críticas à sua pessoa, que não desbordam do comum à espécie de atos praticados pelos sindicatos no exercício do direito de defesa dos seus representados, insatisfeitos com a atuação da autora como autoridade pública.

Do pedido de retratação pública

Na mesma toada do que foi anteriormente exposto, tendo em vista que as afirmaçoes feitas pelos requeridos não desbordaram do normal, apresentando-se tão somente como críticas ao desempenho da requerente como autoridade pública, exercente de cargo de gerência em unidade de saúde do Distrito Federal. não restou configurada a ilicitude nas ações dos réus, tampouco qualquer ato exercido com excesso ou com abuso do direito de agir, pelo que também não assiste razão à autora também em relação ao pedido de retratação pública.

Do pedido de condenação por danos materiais

Não havendo qualquer ilicitude nas condutas dos requeridos, não merece acolhida o pleito autoral de reparação por danos materiais sofridos em decorrência dos episódios mencionados.

O estado de saúde no qual encontra-se a autora não pode ser imputado aos requeridos, que não agiram de maneira ofensiva aos direitos da personalidade da requerente.

Isso porque, as afirmações feitas pelos requeridos não passaram de críticas, as quais, muito embora propensas à causar dissabores à pessoa criticada, não podem servir como causa adequada e efetiva, apta, por si só, à configurar a reparação material pelo tratamento médico que a autora aduz estar passando.

Pelo exposto, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial e condeno a requerente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa, com base no artigo 85, § 3º do Código de Processo Civil.”

- Advertisement -spot_img

Últimas Notícias

Estudo do SindSaúde revela perda salarial de 37,8% para os servidores da saúde, gerando revolta e mobilização

Ser aprovado em um rigoroso concurso público, atravessando diversas etapas em busca da tão almejada estabilidade e segurança na...

Mais servidores recebem pagamentos por direitos garantidos, quase 15 mil reais pagos

O departamento jurídico do SindSaúde continua a lutar incansavelmente pelos direitos dos servidores, resultando em pagamentos semanais para dezenas...

A ponta do Iceberg da triste realidade da saúde pública do Distrito Federal

A face visível do problema da saúde pública no Distrito Federal revela-se através de um cenário alarmante: metade das...
- Advertisement -spot_img
- Publicidade -spot_img