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sexta-feira, 19 abril, 2024

A saúde no tempo dos pioneiros

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Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Distrito Federal

Profissionais que vieram a Brasília para montar a rede de atendimento na nova capital fazem uma reflexão do que deu errado e de como um sistema que já foi referência no país chegou ao atual nível de sucateamento.

“O esplendor da medicina de Brasília, na sua primeira década de existência, graças à tenacidade e à qualificação de seus profissionais, não conseguiu vencer nossa cultura, que comodamente preferiu modificar o modelar Plano Médico Hospitalar de Brasília em vez de corrigir eventuais desvios de seus objetivos e erros.”

O texto acima está no livro A saga da Fundação Hospitalar do Distrito Federal, de Ernesto Silva. O pioneiro reuniu depoimentos de diversos médicos que vieram para organizar a saúde na nova capital. Cinquenta e cinco anos depois, o atendimento, que já foi referência no Brasil, chegou a um nível de sucateamento tal que resultou em dois secretários da área em menos de sete meses — e um terceiro que chegou a ser convidado, mas não aceitou. Os acertos do início da vida de Brasília não tiveram continuidade, e hoje a população sofre com filas, falta de profissionais e de medicamentos e o destrato com a rede pública.

O Correio entrevistou três pioneiros que viveram aqueles primeiros momentos. Eles concordam que o plano inicial para o sistema de saúde de Brasília tinha as principais condições para atender a população de maneira satisfatória. No entanto, com o passar dos anos, algumas questões, como o fluxo intenso de pessoas de fora sendo atendidas nos hospitais da cidade, a falta de uma verba específica para a saúde, a terceirização de alguns serviços e a má administração, desvirtuaram a proposta original. “Nossa verba vinha do governo federal. Brasília ainda não tinha se consolidado. Hoje, é preciso usar recursos próprios”, relembra o médico e clínico geral Célio Menicucci, 84 anos. Célio foi secretário de Saúde durante o governo de Ronaldo Costa Couto.

Cidade livre
O clínico geral chegou a Brasília em 7 de setembro de 1958 para trabalhar na Cidade Livre, no Iapi, mais tarde denominado Hospital Juscelino Kubitschek de Oliveira (HJKO). Ali, atendia de 70 a 80 pessoas por dia. Homens e mulheres que chegavam de caminhão com todo tipo de patologia. Em 1960, com a capital já inaugurada, o médico foi convidado a integrar a equipe do 1º Hospital Distrital de Brasília.

A unidade de saúde pertencia ao Plano Bandeira de Mello, que estabelecia o funcionamento do sistema de saúde do DF. O documento propunha a criação da Fundação Hospitalar do Distrito Federal (FHDF), subordinada à Secretaria de Saúde e instância responsável por gerir a área. De acordo com o Decreto nº 48.298, de junho de 1960, o Ministério da Saúde (MS) ficaria encarregado de cooperar na organização, manutenção e administração da FHDF (leia quadro).

A proposta também dividia a assistência em três segmentos: primário, secundário e terciário, seguindo o modelo usado na Inglaterra. De maneira gradativa, o primeiro atendia a doenças de menor gravidade em pontos de saúde espalhados por diferentes bairros da cidade. O segundo era voltado a pacientes de maior complexidade. Por fim, haveria em Brasília um hospital para doenças raras e cirurgias grandes. No entanto, a unidade nunca chegou a ser construída.

Aos poucos, os cuidados médicos prestados na capital começaram a atrair quem não morava na cidade. “Isso se tornou uma grande dificuldade, porque era um fluxo exagerado de pacientes de fora. Mesmo com o crescimento da cidade, acredito que o plano daria conta de atender”, avalia Célio. Para ele, se houvesse uma medida coordenada com os governantes das cidades vizinhas, para drenar somente os casos mais complexos, a questão melhoraria. O clínico geral cita também a complexidade de acompanhar os pacientes. “Hoje, os resultados dos exames complementares demoram demais. Os aparelhos estão defasados. Não houve uma renovação conivente”, pondera.

Integral
Naquela época, os profissionais trabalhavam de maneira integral nas unidades de saúde. Seguiam um programa denominado Pro-Labore. Os médicos recebiam um valor fixo e um adicional, cujo montante variava conforme o volume de procedimentos de cada um. “O médico prestava um atendimento privado, fora do horário preestabelecido de trabalho, mas ainda dentro do hospital”, explica Célio. Na opinião dele e do médico Julio Capilé, a mudança desse sistema integral também contribuiu para o cenário que o DF vive.

Julio é responsável pelo primeiro consultório médico da cidade. Trabalhou na rede pública e para o Tribunal de Contas da União (TCU). Entrou na Fundação Hospitalar em 1964 para atuar como pediatra. Realizou 1.073 partos e só assinou cinco atestados de óbito. O médico confessa que não sente saudades daquela época, porque se dedicou muito ao trabalho. Ele foi convidado para ser secretário de Saúde, mas nunca aceitou por acreditar não ser um bom administrador. Esse olhar de gestor que faltou ao longo dos anos para garantir a continuidade do plano.

“A fundação fornecia o melhor serviço médico do Brasil. Atendia todo mundo do mesmo jeito, não faltavam médico, profissional, equipamento”, relembra. Julio avalia também que, ao passar a funcionar por licitação, o atendimento começou a falhar. “A FHDF funcionava por tomada de preço. Não faltava remédio de jeito nenhum. Hoje, a pessoa vai e volta do hospital e não tem médico. Não há uma verba específica para a saúde”, afirma. Além disso, credita à terceirização de alguns serviços outra problemática que desvirtuou o sistema de referência que Brasília oferecia.

Fonte: Correio Braziliense

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